quinta-feira, 15 de julho de 2010

Depois de um tempo...



Abismo

Duas vidas separadas por um abismo. Unidas por um fio inquebrantável. Não se desconectavam, mas não se podiam aproximar. Para sempre conectados e para sempre condenados. À distância, ao intransponível, ao insuperável problema do abismo. Um abismo tão comprido quanto o encantamento que imediatamente os uniu, os sonhos que tiveram, os sonhos que não se permitiram ter. Um abismo tão largo quanto os dias que passaram juntos, os momentos felizes que viveram, os que não se permitiram viver. E tão fundo quanto as magoas que se causaram, os desentendimentos que jamais superaram e os esclarecimentos que, à época, acharam que não valeria a pena fazer. Então como ultrapassar esse abismo? Basta colocar dentro dele tudo isso, porque tudo nele cabe. Tudo que o criou e agora o preenche. Bote tudo lá dentro e a fenda se encherá de chão. E poderão atravessá-la a passos largos e seguros.

quarta-feira, 17 de março de 2010

REFRATOR

Tarde pareça ao que preceda
Percebe o que recebe aqui
O que mais se aproxima é
Tudo o que se despeça de
A noite cedo virá, noventa graus
da voz da grande ausência
segue-se e conflui a luz ou o não
Mereça e acene para traz
A deixa que aproveita a cena
na fala em que tudo é, tudo vai
Não sai da sua cabeça o que
Não sai da sua presença até
Está em toda a história enfim
Atravessa e dá a volta aqui
O que contorna e anda além
Feito uma lava derrama a si
No ritmo de como deve ser
O tempo como consegue ir
O véu como sabe espargir
Neste pensamento em mim
Nesta que me veio até aqui
A única minha forma, o devir
O que sou e o que sei sentir
Da confluência de uma nota
em relação ao que representa
Tanto pó que se transporta
Uma miragem que se levanta
Fiz o que fiz até aqui, fiz e refiz
Não que nada se sustenta
Não que nada se acomoda
Não que nada não se deixa
Não que tudo se movimenta
Que nada mais tenha volta
Que apenas passo pela porta
Que também sei voltar, voltar...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Dispensa comentários "delas"

Tem coisas que não dá para explicar... como uma música tão contundente e que poderia soar sofrimento, pode nos fazer dançar sozinhos na sala, sorrindo? Refletir sobre aquilo que se sente e se sofre, sem dor? Com o que se convive, simplesmente. Por hábito, por necessidade, ou mesmo por preguiça? "Eu morro de amores, eu preciso aprender"


Dores de Amores
Luiz Melodia


Eu fico com essa dor
Ou essa dor tem que morrer
A dor que nos ensina
E a vontade de não ter
Sofrer demais, que fruto
Nós precisamos aprender
Eu grito e me solto
Eu preciso aprender
Curo esse rasgo ou ignoro qualquer ser
Sigo enganado ou enganando meu viver
Pois quando estou amando é parecido com sofrer
Eu morro de amores
Eu preciso aprender

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Presença

Por mais que ele já não tivesse nenhuma dúvida sobre o amor dela, sentia que não a conseguiria alcançar. Ela vivia distante, em algum lugar que ele sequer imaginava qual seria, tampouco sabia se ali gostaria de também estar. Quando se olhavam nos olhos, ele tinha suave sensação de que ela estava alguns instantes para além do seu alcance. Ela estava lá, o olhava, mas era como se alguns poucos centímetros a mantivessem sempre longe dele. Longe no tempo, longe no espaço. Esse tempo-espaço misterioso, instante tanto esperado, tantas vezes jamais alcançado. Ela ali, além do que ele conseguia alcançar, por mais que se esforçasse. Com intensidade, segurava-a com todo o seu corpo na tentativa de chegar ali onde ela estava. Nunca conseguiu.
Ela compartilhava a sensação. Sentia que o olhava a alguma distância, um pouco afastada. Como se os visse, os dois, ele e ela, como se ela não fosse. Como se sua alma estivesse assim, quatro ou cinco centímetros mais para trás, para além, para antes ou depois. Distância pouca, mas tempo suficiente para não se sentir ali, como achava que deveria, que poderia, que queria. Verdadeiramente querida. Sempre faltava um pouco, faltava muito pouco. Do fundo do lugar, no tempo em que habitava, de alguma caverna de dentro de si mesma, ela estendia a mão, desesperada para alcançar a mão firme dele, desesperada para que ele chegasse até ela. Ele que já a tocava, mas que não a trazia para si, para fora, para o presente. Ela se desesperava para que a tirasse daquele lugar, daquele tempo, da distância de seu corpo. Mas ela nunca o alcançava. Nunca conseguia.
O que ele não sabia é que ela, distante, estava lá. E ela não sabia que ele, tão perto, não estava.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Alguém já cantou

Difícil agora não cair para aquela boa e velha...

"Entre por essa porta agora,
e diga que me adora.
Você tem meia hora
pra mudar a minha vida.
Vem, vam´bora,
que o que você demora
é o que o tempo leva".

(que o vento leva...)
Lendo esse 'escancarar as portas', algo antigo saltou na cachola, principalmente considerando o poema de trás pra frente, os dois últimos versos, então lá vai:





DESNUDAMENTO DAS MUDAS QUE SE TIRAM NA PROXIMIDADE ENTRE RAÍZES E CAULE


Entrar na sala assim de repente

na intimidade das coisas que estão

plenas de reservas de silêncios

dos movimentos que se passaram

e daqueles azuis represados

das espontâneas historicidades

sim, visitadas, e não, nunca

que pena! não existidas no plano aberto

Repousa na mesinha de centro

um único mobiliário não identificado

pelos olhos não mais míopes mas

neste relance do tempo-uva afogados

molhados em demasia, ou

vai ver que na medida que tinha que ser

sim, eu também choro na alegria

Na alegria triste da solidez do tic-sem-tac

ouve-se só metade da vida a andar...


Ela, a vida, bem que podia ensaiar uns passos

A vida bem que podia dançar flamenco

ou um sambinha amolecido por chocalhos

e ela pode, mas parece que não quer agora

Parou, quieta, de uma respiração curtinha

Tics tics tics tics tics, pra não incomodar

não quer ocupar o espaço todo, ou queria

Na verdade queria sim, mas nem tudo se consolidou

Ela queria contar histórias que nem foram todas

Ela queria ter vivido um pouco mais longo, o tecido

Queria ter dado um grito calmo na altura e na intensidade

pra sobrar depois a pouca tempestade dos dedos

dois deles só, girando gelos no copo

Ter luzes sobre o objeto na mesinha de centro!

Então foi pelo tato, mas a aspereza nunca é fácil

mas dá um prazer sentir...


Venta sobre as personagens e sobre o copo de chá

Esfria o nariz vermelho, venta esses ventos de querer voar

Voa-se no interior oco e confortável das caixas pequenas

Voa-se por debaixo das costelas, em segredo...

Em segredo até que uns olhos poucos revelem

Veja! Está voando! Com as garrinhas fincadas... aí sim...

Querendo dizer do todo, veja o que faz uma sala vazia:

os voláteis decupam todo o espaço em vida plena!

E agora dá até para sentir uma alegria pelos colares

sem fechos, inacabados, com os fios longos ainda,

as peças por procurar. Pois que os espaços fiquem

em branco assim desse jeito, a história se conta

por si só, divisa-se o objeto no centro da mesa e,

por intranquilo que seja, não se sabe o que é de fato,

pois que seja, pois que apenas seja e,

sabendo-se que é, sabe-se que sempre foi e noutro dia,

virá a ser. Recupera-se o tic-tac, sempre existido.

E o intranquilo objeto repousa, a sala vazia

na relatividade do vazio apenas e é só.

As histórias... de querer, acontecidas então

Na relatividade do todo que voa e sabe voar.


Agora dá até para sentir uma alegria e a vontade
Eu, que ia embora, até vou mesmo

E também vou ficar

A porta estava aberta

A chave estava lá

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Vento vindo de lá....


Desde que começamos este blog, eu me lembro e me esqueço, seguidamente, de publicar aqui um poeminha muito simpático, que fala de vento, de semivento, de porta, de verdade. Fala de verdade, muita verdade. Fala aquilo que a gente já sabe, que está bem cansado de saber, mas que repete, repete, repete, pela simples incapacidade humana (ou quase humana) de fechar algumas portas.

Sem pretensão de ser terapia, nem de dar conselho para a vida de ninguém. É só um poema bonito que vive ventando aqui (mais do que gostaria, confesso) e que hoje bateu no ventilador. Então aí vai:

Lembrete – Flora Figueiredo

Não deixe portas entreabertas
Escancare-as
Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas
Passam apenas semiventos,
Meias verdades
E muita insensatez.


E não é que fazendo a pesquisa do poema acima (o Google nos tornou preguiçosos para abrir os livros e digitar, não é mesmo?), mas não é que fazendo essa pesquisa, eu achei um poema ainda mais bonitinho, e que tem ainda mais relação com este blog? Olha ele aqui:

Expectativa – Flora Figueiredo

O Vento anda ficando mentiroso:
prometeu trazer você,
não trouxe;
de dizer o por quê, não disse;
esperou que eu me distraísse,
passou com pressa, rumo ao horizonte.
Já não tem importância
que cometa outra vez
um ato de inconstância.
Aprendi a esperar.

Se ventos são capazes de levar embora,
a qualquer hora,
também serão capazes
de fazer voltar.


Acho que a poetisa Flora Figueiredo andou balançando neste mesmo vento que nos fez criar esta página. Ventos são mesmo muito misteriosos, falam com a gente. Às vezes falam a verdade, às vezes mentem. Prefiro a verdade, então vou dar aos ventos uma segunda chance. Vou escancarar as portas. Volte.

domingo, 17 de janeiro de 2010


Desde o tempo de quebra e ao alcance de sobra
seguraria entre as mãos o mundo em que vivo
Que ele soubesse do bom de largar todos os ângulos
nas horas macias do silêncio sem pausas
e falasse dormindo as verdades que guarda
Quando olhasse de canto de olhos
tocaria seu queixo entre dedos a virar-lhe de frente
eis que no centro dos olhos o que peço também concedo

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Páginas de vento


Eu estava aqui pensando que livro é uma coisa que venta na cabeça da gente. Venta a palavra do outro, a emoção, a sensação.
Faz diferentes tipos de vento. Alguns são aquele vento forte, que você não espera, que te traz coisas novas sobre as quais pensar. Coisas sobre as quais você nunca pensou. Nunca daquela maneira. Como um vento atravessado que levanta a barra da saia e te deixa exposta na rua. A sensação é aquela: estranhamento no começo, travessura no final.
Tem os que são a brisa suave do entardecer. Fazem acalmar o pensamento, sopram para longe as nuvens carregadas que turvam a vista. Como se ventando sempre na mesma direção, ajudassem a botar ordem na confusão geral que se abalava sobre um tema, um sentimento. Sopram e sopram de leve, suaves, sempre e sempre, até que te convencem.
E tem aqueles que se parecem com o momento mágico em que o vento para e começa a cair a chuva. Os que liquefazem os pensamentos e deixam a sensação de que é quase possível tocá-los. Como se, de repente, se pudesse ouvir pingar, uma a uma, as idéias que estavam espalhadas na sua cabeça, sobre a sua cabeça. Como se pingassem sobre as suas mãos.
Um livro está particularmente ventando nas minhas idéias neste momento. “A elegância do ouriço” de Muriel Barbery. Venta com frases como esta, que me fez tocar o pensamento:
"não dou a menor bola para o lugar onde estou, contanto que tenha a satisfação de circular sem problema dentro da minha cabeça"

Hoje foi quando eu vi o ventilador de teto


Venta tão forte, que o rio lava muita coisa com o tanto de água que o vento espirra na pedra, acho até que hoje seca as coisas que eu pendurei lá no varal. Faz tanto vento que mesmo aquela que não me visita faz tanto tempo vai chegar mais cedo por aqui. Aliás, faz tanto tempo que não vejo fazer tanto vento. Penso em sair na rua, andar no descampado espaço vasto sem casa pra nenhum lado, que é pra ver se o vento me faz andar sem usar o chão. Quando venta assim, o céu anda depressa, nem por isso a hora passa, o mobiliário de nuvens é que muda sem parar. De azul algo fica branco e isso me dá vontade de escrever. É que o vento na janela entreaberta, a cortina escapando pra fora, pede para eu vestir uma blusa. Com a cara no vento, o peito na malha e as mãos meio geladas, ouço melhor o que não me evapora. Venta um desejo de infinidades, um sentimento de teto com catavento, uns olhos querendo detalhes daquilo que o vento levantou e agora deu pra ver. E tem que ver rapidinho porque rapidamente tudo baixa outra vez, na rapidez do vento veloz. A memória não. Com o vento que venta lá nas artérias, essas coisas viram histórias e correm do teto pro chão da placidez. O vento fica. Depois vai embora e nunca sai daqui. Fazendo todo esse vento quero mais é fechar os olhos, subir dois degraus meio altos, levantar do chão o que me ocorrer e correr, correr, correr sem ver a partir de que vão o denso vira asa. Venta pra valer nesse dia de pássaros pendurados no teto, até me esqueço que esse era enfim o ventilador. A primeira vez que vi que ventou assim acho que foi quando eu nasci.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Parafraseando Raul Seixas

Nós não vamos postar nada, lá lá lá lá!