Uma forma de espalhar por ai o que está além das nossas cabeças e da palavra que mora ao lado... poesia, fotografia, literatura, imagem, opinião.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Depois de um tempo...
Abismo
Duas vidas separadas por um abismo. Unidas por um fio inquebrantável. Não se desconectavam, mas não se podiam aproximar. Para sempre conectados e para sempre condenados. À distância, ao intransponível, ao insuperável problema do abismo. Um abismo tão comprido quanto o encantamento que imediatamente os uniu, os sonhos que tiveram, os sonhos que não se permitiram ter. Um abismo tão largo quanto os dias que passaram juntos, os momentos felizes que viveram, os que não se permitiram viver. E tão fundo quanto as magoas que se causaram, os desentendimentos que jamais superaram e os esclarecimentos que, à época, acharam que não valeria a pena fazer. Então como ultrapassar esse abismo? Basta colocar dentro dele tudo isso, porque tudo nele cabe. Tudo que o criou e agora o preenche. Bote tudo lá dentro e a fenda se encherá de chão. E poderão atravessá-la a passos largos e seguros.
quarta-feira, 17 de março de 2010
REFRATOR
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Dispensa comentários "delas"
Dores de Amores
Luiz Melodia
Eu fico com essa dor
Ou essa dor tem que morrer
A dor que nos ensina
E a vontade de não ter
Sofrer demais, que fruto
Nós precisamos aprender
Eu grito e me solto
Eu preciso aprender
Curo esse rasgo ou ignoro qualquer ser
Sigo enganado ou enganando meu viver
Pois quando estou amando é parecido com sofrer
Eu morro de amores
Eu preciso aprender
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Presença
Ela compartilhava a sensação. Sentia que o olhava a alguma distância, um pouco afastada. Como se os visse, os dois, ele e ela, como se ela não fosse. Como se sua alma estivesse assim, quatro ou cinco centímetros mais para trás, para além, para antes ou depois. Distância pouca, mas tempo suficiente para não se sentir ali, como achava que deveria, que poderia, que queria. Verdadeiramente querida. Sempre faltava um pouco, faltava muito pouco. Do fundo do lugar, no tempo em que habitava, de alguma caverna de dentro de si mesma, ela estendia a mão, desesperada para alcançar a mão firme dele, desesperada para que ele chegasse até ela. Ele que já a tocava, mas que não a trazia para si, para fora, para o presente. Ela se desesperava para que a tirasse daquele lugar, daquele tempo, da distância de seu corpo. Mas ela nunca o alcançava. Nunca conseguia.
O que ele não sabia é que ela, distante, estava lá. E ela não sabia que ele, tão perto, não estava.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Alguém já cantou
"Entre por essa porta agora,
e diga que me adora.
Você tem meia hora
pra mudar a minha vida.
Vem, vam´bora,
que o que você demora
é o que o tempo leva".
(que o vento leva...)
DESNUDAMENTO DAS MUDAS QUE SE TIRAM NA PROXIMIDADE ENTRE RAÍZES E CAULE
Entrar na sala assim de repente
na intimidade das coisas que estão
plenas de reservas de silêncios
dos movimentos que se passaram
e daqueles azuis represados
das espontâneas historicidades
sim, visitadas, e não, nunca
que pena! não existidas no plano aberto
Repousa na mesinha de centro
um único mobiliário não identificado
pelos olhos não mais míopes mas
neste relance do tempo-uva afogados
molhados em demasia, ou
vai ver que na medida que tinha que ser
sim, eu também choro na alegria
Na alegria triste da solidez do tic-sem-tac
ouve-se só metade da vida a andar...
Ela, a vida, bem que podia ensaiar uns passos
A vida bem que podia dançar flamenco
ou um sambinha amolecido por chocalhos
e ela pode, mas parece que não quer agora
Parou, quieta, de uma respiração curtinha
Tics tics tics tics tics, pra não incomodar
não quer ocupar o espaço todo, ou queria
Na verdade queria sim, mas nem tudo se consolidou
Ela queria contar histórias que nem foram todas
Ela queria ter vivido um pouco mais longo, o tecido
Queria ter dado um grito calmo na altura e na intensidade
pra sobrar depois a pouca tempestade dos dedos
dois deles só, girando gelos no copo
Ter luzes sobre o objeto na mesinha de centro!
Então foi pelo tato, mas a aspereza nunca é fácil
mas dá um prazer sentir...
Venta sobre as personagens e sobre o copo de chá
Esfria o nariz vermelho, venta esses ventos de querer voar
Voa-se no interior oco e confortável das caixas pequenas
Voa-se por debaixo das costelas, em segredo...
Em segredo até que uns olhos poucos revelem
Veja! Está voando! Com as garrinhas fincadas... aí sim...
Querendo dizer do todo, veja o que faz uma sala vazia:
os voláteis decupam todo o espaço em vida plena!
E agora dá até para sentir uma alegria pelos colares
sem fechos, inacabados, com os fios longos ainda,
as peças por procurar. Pois que os espaços fiquem
em branco assim desse jeito, a história se conta
por si só, divisa-se o objeto no centro da mesa e,
por intranquilo que seja, não se sabe o que é de fato,
pois que seja, pois que apenas seja e,
sabendo-se que é, sabe-se que sempre foi e noutro dia,
virá a ser. Recupera-se o tic-tac, sempre existido.
E o intranquilo objeto repousa, a sala vazia
na relatividade do vazio apenas e é só.
As histórias... de querer, acontecidas então
Na relatividade do todo que voa e sabe voar.
Agora dá até para sentir uma alegria e a vontade
Eu, que ia embora, até vou mesmo
E também vou ficar
A porta estava aberta
A chave estava lá
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Vento vindo de lá....

Desde que começamos este blog, eu me lembro e me esqueço, seguidamente, de publicar aqui um poeminha muito simpático, que fala de vento, de semivento, de porta, de verdade. Fala de verdade, muita verdade. Fala aquilo que a gente já sabe, que está bem cansado de saber, mas que repete, repete, repete, pela simples incapacidade humana (ou quase humana) de fechar algumas portas.
Sem pretensão de ser terapia, nem de dar conselho para a vida de ninguém. É só um poema bonito que vive ventando aqui (mais do que gostaria, confesso) e que hoje bateu no ventilador. Então aí vai:
Lembrete – Flora Figueiredo
Não deixe portas entreabertas
Escancare-as
Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas
Passam apenas semiventos,
Meias verdades
E muita insensatez.
E não é que fazendo a pesquisa do poema acima (o Google nos tornou preguiçosos para abrir os livros e digitar, não é mesmo?), mas não é que fazendo essa pesquisa, eu achei um poema ainda mais bonitinho, e que tem ainda mais relação com este blog? Olha ele aqui:
Expectativa – Flora Figueiredo
O Vento anda ficando mentiroso:
prometeu trazer você,
não trouxe;
de dizer o por quê, não disse;
esperou que eu me distraísse,
passou com pressa, rumo ao horizonte.
Já não tem importância
que cometa outra vez
um ato de inconstância.
Aprendi a esperar.
Se ventos são capazes de levar embora,
a qualquer hora,
também serão capazes
de fazer voltar.
Acho que a poetisa Flora Figueiredo andou balançando neste mesmo vento que nos fez criar esta página. Ventos são mesmo muito misteriosos, falam com a gente. Às vezes falam a verdade, às vezes mentem. Prefiro a verdade, então vou dar aos ventos uma segunda chance. Vou escancarar as portas. Volte.
domingo, 17 de janeiro de 2010
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Páginas de vento
Eu estava aqui pensando que livro é uma coisa que venta na cabeça da gente. Venta a palavra do outro, a emoção, a sensação.
Faz diferentes tipos de vento. Alguns são aquele vento forte, que você não espera, que te traz coisas novas sobre as quais pensar. Coisas sobre as quais você nunca pensou. Nunca daquela maneira. Como um vento atravessado que levanta a barra da saia e te deixa exposta na rua. A sensação é aquela: estranhamento no começo, travessura no final.
Tem os que são a brisa suave do entardecer. Fazem acalmar o pensamento, sopram para longe as nuvens carregadas que turvam a vista. Como se ventando sempre na mesma direção, ajudassem a botar ordem na confusão geral que se abalava sobre um tema, um sentimento. Sopram e sopram de leve, suaves, sempre e sempre, até que te convencem.
E tem aqueles que se parecem com o momento mágico em que o vento para e começa a cair a chuva. Os que liquefazem os pensamentos e deixam a sensação de que é quase possível tocá-los. Como se, de repente, se pudesse ouvir pingar, uma a uma, as idéias que estavam espalhadas na sua cabeça, sobre a sua cabeça. Como se pingassem sobre as suas mãos.
Um livro está particularmente ventando nas minhas idéias neste momento. “A elegância do ouriço” de Muriel Barbery. Venta com frases como esta, que me fez tocar o pensamento:
"não dou a menor bola para o lugar onde estou, contanto que tenha a satisfação de circular sem problema dentro da minha cabeça"